Falta de água, dor, resistência e silêncio. Essas quatro palavras marcaram o tom da audiência pública realizada ontem (24), em Senhor do Bonfim, para tratar da interrupção no abastecimento de água na comunidade do Grunga.
A Embasa, responsável pelo serviço, afirmou que a medida foi motivada por um alto índice de coliformes totais detectados na água.
A principal fonte de abastecimento da cidade vem do rio Itapicuru-Açu, a cerca de 50 km, e também atende os municípios de Itiúba, Jaguarari, Andorinha, além de áreas de Caldeirão Grande e Filadélfia.
Segundo Bruno Vinícius, gerente de operações da Embasa, foi necessário interromper o fornecimento por risco sanitário.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), água contaminada microbiologicamente pode transmitir doenças como diarreia, cólera, disenteria, febre tifoide e poliomielite.
A justificativa técnica, no entanto, não foi suficiente para acalmar os moradores, que há mais de 130 anos utilizam a água dessa mesma fonte.
Moradores e lideranças reagem à interrupção do abastecimento de água
De acordo com moradores do Grunga, a Embasa não notificou nem informou previamente que o abastecimento seria interrompido. A surpresa veio com as torneiras secas, o que gerou revolta e indignação.
Para os moradores, essa água é mais do que recurso — é memória.
Há mais de 130 anos, famílias da comunidade utilizam a fonte para consumo e prestação de serviços. O hábito atravessou gerações e hoje é visto por muitos como parte da identidade local.
O corte abrupto foi sentido como um rompimento com a própria história.
Um dos representantes da comunidade afirmou durante a audiência que, há alguns anos, foi feita a coleta da água para análise em laboratório em Juazeiro, Bahia, e o resultado foi satisfatório, inclusive, indicando potabilidade para consumo humano.
A declaração reforçou o sentimento de desconfiança em relação à decisão da Embasa e gerou questionamentos sobre a metodologia da análise atual.
Vozes emocionadas tomaram o plenário. O clima era de cobrança. Representantes dos moradores questionaram a decisão da Embasa e pediram alternativas viáveis, sem suspensão imediata.
Embasa apresenta investimentos, mas comunidade exige religação
A Embasa apresentou um panorama de obras recentes que somam R$ 142 milhões em toda a região de Senhor do Bonfim.
No entanto, os dados não diminuíram a insatisfação da população.
O foco, ontem, não era investimento futuro, mas o abastecimento de água interrompido no presente.
Câmara cobra respostas e ações imediatas
Todos os vereadores presentes se posicionaram pela religação da água no Grunga. O presidente da Casa Legislativa, Ary Urbano, publicou um texto emocionado após a audiência:
“O que discutimos hoje não foi apenas sobre encanamentos, sistemas ou relatórios técnicos. Foi sobre gente. Sobre famílias inteiras sem o direito básico à água.”
Ary também cobrou da Embasa explicações claras sobre comunicação com a população, plano de transição e garantia de que ninguém ficará desassistido.
“Água não é favor, é direito. E o povo não pode continuar pagando a conta do descaso”, afirmou.
Situação é de responsabilidade estadual e federal
O promotor de justiça, Dr. Felipe Pazzola, lembrou que a responsabilidade sobre o abastecimento é do governo estadual e da União.
Ele também destacou pontos da legislação do saneamento básico, como o direito universal de acesso à água e à coleta de esgoto, tanto em imóveis urbanos quanto rurais.
Felipe chamou atenção para a vedação legal de instalar fontes alternativas de água que se conectem à rede de esgoto predial na zona urbana, o que inviabiliza soluções improvisadas por parte dos moradores e reforça a obrigação do poder público em oferecer soluções seguras e legais.
“A população não pode ser responsabilizada por um problema estrutural. A legislação é clara. Se não há acesso legal à água potável, o Estado precisa garantir esse direito”, afirmou o promotor.
Confira algumas imagens da audiência: